Quem não ouviu falar da Rio+20? Por duas semanas, representantes do mundo todo estiveram no Brasil discutindo soluções para problemas como a emissão de gases poluentes, o desmatamento, a carência de água potável e o descarte de lixo, entre outros temas cuja resolução depende, fundamentalmente, da formação de cidadãos conscientes e comprometidos.
Mas
o que as escolas têm ensinado sobre o assunto? Apesar de haver legislação sobre
educação ambiental e materiais específicos produzidos pelo Ministério e pelas Secretarias
de Educação, será que o conteúdo é trabalhado em sala de aula?
Foi
com essa inquietação que a bióloga Claudia Ferreira, também professora de
metodologia de ensino ambiental, saiu a campo em escolas públicas de São Paulo.
"Minha constatação foi de que no papel é tudo bonito, mas, na da sala de
aula, o material é deixado de lado. Seja pela falta de habilidade e
conhecimento do professor, seja pela infraestrutura do sistema", afirma a
pesquisadora, que defendeu sua tese de doutorado sobre o tema neste ano na
Faculdade de Educação da USP.
Durante
dois anos, 2009 e 2010, ela frequentou três escolas estaduais da capital
paulista: acompanhou reuniões de planejamento pedagógico, conversou com pais,
entrevistou docentes e assistiu a aulas que dão o cenário da situação.
Exemplos - Numa sala de 8.ª série (9.º
ano do ensino fundamental), a professora de geografia pediu que os alunos
lessem um texto sobre o Fórum Social Mundial e escrevessem sobre o tema. Em
outra escola, a docente de ciências desistiu de levar os alunos da 5.ª série
(6.º ano) ao jardim interno da escola, apesar da recomendação do material
didático. Alegou que dava muito trabalho retirar 47 alunos da sala.
Há
casos, é claro, de professores que se esforçam bastante, explica a pesquisadora,
mas mesmo assim não conseguem abordar o tema de forma que instigue os alunos. E
o motivo não é o desinteresse prévio dos estudantes, mas o tipo de abordagem.
"A
criança e o adolescente são muito interessados, mas querem atividades que façam
sentido", afirma Claudia. Na pesquisa, ela narra o caso de uma aluna que
levou um caranguejo morto à aula de ciências. A partir do inusitado, a
professora decidiu falar sobre os crustáceos e recebeu total audiência da sala.
Infraestrutura - O caso aponta a um
outro problema frequente: a carência de laboratórios e de biblioteca com acervo
diversificado. Sem esse aparato, dizem os professores, eles acabam por tratar o
conteúdo de forma teórica e em salas superlotadas, que chegam a abrigar 50
alunos.
Para
mudar isso, diz a educadora, é preciso, antes de tudo, que os órgãos
governamentais capacitem os professores e produzam os materiais pedagógicos
tendo em vista as sugestões desses profissionais que vivem o dia a dia da sala
de aula.
Em
segundo lugar, é preciso garantir que o tema perpasse o conteúdo de todas as
disciplinas, conforme prevê a lei. "O diretor e o coordenador pedagógico
não podem ignorar o tema. Eles precisam se responsabilizar em incluí-lo no
planejamento anual", afirma.
Por
último, o aluno deve ser convidado para essa conversa, para que isso faça
sentida na vida dele. O indicado é que a equipe administrativa e de
professores, com a participação dos estudantes, faça uma sondagem de
situações-problemas, de necessidades e de interesses específicos daquela
comunidade escolar no que se refere ao temas ambientais. A partir daí, é
natural que os desafios se traduzam em ações conscientes.
"Em
uma das escolas que visitei, um pai me disse: "Meu filho aprendeu na aula
e me ensinou como economizar energia no banho". É isso. Quando faz
benfeito, a escola afeta a comunidade, contamina todo mundo", conclui a
pesquisadora.
Tratar o assunto de modo correto é difícil, mas não impossível
Análise: Celinha Nascimento
coordenadora de Educação Ambiental da Comunidade Educativa CEDAC.
Apesar de o
tema estar na moda, não se faz ainda educação ambiental em escola. E uma razão
simples pode dar uma primeira pista: o que pertence a todo mundo pode não
pertencer a ninguém. Os professores e as próprias instituições têm muita dificuldade
em trabalhar os temas transversais, que perpassam todas as disciplinas.
Meio
ambiente, ética, mundo do trabalho, sexualidade pertencem a todos os
professores e é necessário um movimento bastante coeso entre os educadores para
que essas áreas sejam, de fato, trabalhadas no ambiente escolar. Opta-se, na
maioria dos casos, por falar do assunto em datas comemorativas - como o Dia do
Meio Ambiente, do Índio ou da Árvore -, ou por meio de iniciativas muito
pontuais, como a famosa horta ou a coleta de lixo. Quando o tema ganha as salas
de aula, faz-se apenas o que já está estabelecido, como a produção de
artesanato com material reciclável nas aulas de artes.
Educação
ambiental é muito mais que isso. E, para início de conversa, é preciso ter
paciência e disposição para reflexões profundas. Mas isso acontece raramente.
As escolas acabam por andar na contramão, querem coisas rápidas. Com esse
pensamento, é difícil tirar da cabeça delas que recolher os papéis jogados no
chão é cidadania, mas não exatamente uma ação ambiental.
Os
professores precisam receber formação e, com base nisso, estabelecer a prática
didática mais adequada. Ler um poema sobre árvore nas aulas de português não é
educação ambiental. É preciso ir além. Que tal propor aos alunos a elaboração
de um jornal ambiental ou uma peça publicitária? Atividades como essas trabalham
os dois conteúdos simultaneamente: além de pesquisar e compreender os temas
ambientais que irão abordar, eles aprendem a fazer entrevista, coleta de dados,
sistematização de informação e exercitam a escrita correta, sucinta e coerente,
entre outros aprendizados da Língua Portuguesa.
Depois
de pronto, os produtos podem ser expostos ou distribuídos e, nesse momento,
cumpre um segundo requisito inerente aos temas transversais: a interface com a
sociedade. Nesse caso, podem ser tanto estudantes de outras turmas, como os
pais, a população da vizinhança etc. Sem esse entendimento amplo do que seja
educação ambiental, o professor se vê na berlinda de achar que vai precisar
deixar de lado o conteúdo da disciplina para falar de meio ambiente.
E
não é sem razão esse desespero. No dia a dia, ele precisa dar espaço a um tanto
de atividades. Desde a ONG que vai falar de doenças sexualmente transmissíveis
(DST), de outra que vai falar da dengue e de uma terceira que vai abordar a
educação no trânsito. Além dos feriados, das datas comemorativas... E a lista
segue.
Para
que a educação ambiental não entre nessa cesta, tem de ir além dos parâmetros
do MEC, integrar de verdade a comunidade escolar e ver essa apreensão de
conteúdo refletida na mudança de hábito. Contra o desperdício, os alunos podem
receber garrafinhas em lugar de copo plástico. Para aproveitar a água da chuva,
a escola poderia ter uma cisterna. É a transversalidade dentro e fora das
paredes da sala de aula.
FONTE: O Estado de São Paulo