Xico Graziano*
Novidade rural: o governo federal
pretende criar uma agência para disseminar o conhecimento entre os
agricultores. Democratizar o uso da tecnologia faz bem à agropecuária. Mas
corre o risco de manipulação ideológica.
Anunciada
durante o lançamento do último Plano de Safra, o formato do novo órgão,
todavia, por ninguém foi esclarecido. Mendes Ribeiro, ministro da Agricultura e
Abastecimento, apenas adiantou que "a Embrapa faz as pesquisas e essa nova
agência vai levar a assistência técnica ao produtor, trabalhando de forma
articulada". Boa ideia, a conferir.
A
Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) compõe um capítulo querido, e
saudoso, na história da agricultura. O pioneirismo coube a São Paulo, que desde
1926 introduziu o fomento rural nas suas atividades públicas. Logo depois, a
Escola Superior de Agricultura e Veterinária (Esav) de Viçosa (MG), atual
universidade federal, organizou a primeira Semana do Fazendeiro (1929). Na
década de 1940, o Ministério da Agricultura instalou País afora cerca de 200
"postos de mecanização" para demonstrar o avanço tecnológico na lide
da terra.
Começaram,
depois, a surgir as Associações de Crédito e Assistência Técnica Rural (Acars),
formando, nos Estados, um movimento organizado de apoio aos agricultores. Em São Paulo , o trabalho de
Assistência Técnica e Extensão Rural tomou rumo próprio. As antigas Casas da
Lavoura surgiram, espalhadas nos municípios, e desde 1967 passaram a ser
aglutinadas na Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), que as
rebatizou de Casas da Agricultura. Nelas se encontrava o suprassumo das novas
práticas agrícolas.
Quando
nasceu a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1974, o
governo federal quis assumir a liderança no processo de transferência de
tecnologia, criando também a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Embrater). O intuito era, com apoio das unidades estaduais -
Ematers - tirar da prateleira os resultados da pesquisa agropecuária, pondo-os
à disposição da massa dos agricultores.
Com
a assistência técnica propriamente dita seguiam também recomendações de
natureza socioeconômica - a extensão rural -, voltadas para a promoção humana.
Época de ouro da sociologia e da economia rural. Os extensionistas
complementavam a visão produtivista, preocupando-se com os processos de mudança
social, a educação, a higiene, a alimentação, a cultura. Qualidade de vida
rural.
Bons
tempos. Nada suplantava o desejo profissional dos formandos das Ciências
Agrárias de se dedicarem à assistência técnica oficial. Passar num concurso
público da Cati, ou das principais Ematers, era um sonho a ser realizado, para
ajudar o progresso tecnológico a vencer o atraso no campo. Os mais engajados
politicamente achavam isso revolucionário.
Análise
e correção do solo, adubação química, rações balanceadas, sementes melhoradas,
irrigação, mecanização, era extenso o cabedal das principais ferramentas da
modernização agrícola. A ordem era elevar a produtividade, integrar a produção,
fortalecer o comércio, levantar a renda no campo. Anos dourados da revolução
verde.
Paradoxalmente,
porém, tudo mudou. Quanto mais se modernizava a agropecuária, mais minguava o
sistema nacional de Ater. A Embrapa brilhava, a Embrater empalidecia. Sem
prioridades, esta acabou extinta em 1990 (governo Fernando Collor). Nos
Estados, as Ematers sobreviveram capengando. Em São Paulo , a Cati se
enfraqueceu. Profissionais da área perderam prestígio. Glórias no passado,
futuro incerto.
Ninguém
explicou, ao certo, que razões levaram a essa triste decadência da Ater no
Brasil. Três fatores ajudam a entendê-la. Primeiro, o forte crescimento das
empresas de insumos modernos, atrapalhando a trajetória antes exclusiva dos
agentes públicos na assistência ao campo. Segundo, o cooperativismo, pois ao reforçar
o atendimento aos associados os liberou do apoio governamental. Terceiro, ao
expandir-se o ensino superior, muitos profissionais passaram a atuar
concorrentemente nos escritórios particulares de planejamento rural.
Parece,
ademais, ter ocorrido certo descompasso entre a teoria e a realidade agrária.
Enquanto aquela, acadêmica, permanecia tradicional, refletindo um tempo em que
o engenheiro agrônomo precisava dar uma espécie de colherinha de Biotônico
Fontoura na boca do caipira, a modernização capitalista trazia estímulos de
mercado, obrigando o produtor rural a se modificar na marra. E, muitas vezes, a
se mudar para a cidade, empurrado pelo êxodo rural.
Surgiram
de uns tempos para cá, na onda da valorização da agricultura familiar, novas
formulações para a Ater. Recente legislação configurou-a junto ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário, pois o drama da (má) qualidade produtiva nos
assentamentos da reforma agrária passou a exigir especial atenção do governo.
Acontece que, além das notórias deficiências da infraestrutura, é necessário
vencer a inaptidão dos beneficiários, normalmente constituídos por
desempregados urbanos. Não é fácil converter invasores de terras em prósperos
agricultores.
Qual
a tarefa da nova Ater? Qualificar os assentados da reforma agrária e apoiar os
agricultores familiares. Muito bem. Mas aí mora o perigo. Alguns agentes
políticos que articulam a volta do sistema de assistência técnica visualizam a
construção de uma "via campesina" para a agricultura, um caminho
temerário que mistura ideologia esquerdista com romantismo bucólico.
Isso
significa, na prática, abrir as portas para que certas entidades, utilizando
verbas facilmente desviáveis, elevem a dominação política sobre os miseráveis
do campo. Seria trágico. Emancipação, e não subordinação, carece promover no
campo.
* Engenheiro agrônomo, foi
secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente de São Paulo.
FONTE: O Estado de São Paulo.