Felipe Patury
Uma carta
assinada pelos líderes indígenas da aldeia Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do
Sul, e remetida ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), anuncia o suicídio
coletivo de 170 homens, mulheres e crianças se a Justiça Federal mandar retirar
o grupo da Fazenda Cambará, onde estão acampados provisoriamente às margens do
rio Hovy, no município de Naviraí. Os índios pedem há vários anos a demarcação
das suas terras tradicionais, hoje ocupadas por fazendeiros e guardadas por
pistoleiros. O líder do PV na Câmara, deputado Sarney Filho (MA), enviou carta
ao ministro da Justiça pedindo providências para evitar a tragédia.
Leia a íntegra da carta dos índios ao CIMI:
Carta da comunidade
Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do
Brasil
Nós (50
homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de
tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa
situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho
expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº
0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a
informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da
margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS.
Assim, fica
evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as
violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à
margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito
Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de
Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo
indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da
Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos
deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a
esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo,
não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências
praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria
Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e
concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos
perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe
daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro
mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e
tortura de pistoleiros das fazendas.
Moramos na
margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência,
isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez
por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito
Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território
antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali
estão os cemitérios de todos nossos antepassados.
Cientes desse
fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos
nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo
e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas
solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos
aqui.
Pedimos, de
uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de
enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é
nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça
Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito
Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não
sairmos daqui com vida e nem mortos.
Sabemos que
não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo,
já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado.
Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não
vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico,
decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção
esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de
Navirai-MS.
Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de
Pyelito Kue/Mbarakay
FONTE: Revista Época