Ciro Antonio Rosolem
Membro do CCAS e
professor titular da FCA/Unesp Botucatu
O tema
produção de alimentos x produção para exportação é recorrente. Normalmente se
confunde agricultura familiar com produção de alimentos para os brasileiros e
agricultura empresarial com produção para exportação. A ideologia reza que
produzir alimentos para a população é bom, a produção para exportação é
nefasta. A cada movimento dos chamados “setores organizados da sociedade” essa
discussão vem à tona. A hedionda agricultura empresarial, além de estragar o
ambiente, deixa o coitado do brasileiro com fome. Será?
A migração da
população para as cidades tem sido importante também no Brasil. Na sociedade
moderna, urbana, com marido, mulher e filhos trabalhando fora e com mais
dinheiro disponível, muda o hábito alimentar. E também o prato típico, o arroz
com feijão em algumas regiões, e a mandioca, em outras. Enquanto
é reduzido o consumo de alimentos amiláceos, que dão trabalho para serem
preparados, aumenta o consumo de frutas, verduras, legumes, carnes, bolos,
leite e derivados e, lógico, de pratos prontos. Essa é uma tendência mundial.
Recente pesquisa da Kantar Worldpanel revelou que, somente nos últimos 3 anos,
a participação do arroz com feijão no gasto com alimentação dentro de casa caiu
4 pontos porcentuais. O interessante é que, no mesmo período, o preço real do
arroz caiu 5,08 % e do feijão carioca 2,74 %. A queda de preços deveria
resultar em aumento no consumo, que não ocorreu. Uma consequência da mudança no
hábito alimentar.
E como tem se
comportado o lado da produção? Tem faltado arroz e feijão, de modo a tornar
legítima a alegação dos “setores organizados”? Nos últimos 10 anos, a produção
de arroz no Brasil cresceu 139 mil t/ano. Não é muito. Mas o consumo cresceu
apenas 66 mil t/ano. Mesmo com o aumento na população. Isso se explica por que
o consumo anual per capita diminuiu de 70 kg para 66 kg . O consumo de feijão
per capita tem se mantido próximo a 16,5 kg nos últimos 10 anos, e tem sido
atendido pela produção nacional. Em outras palavras, o Brasil é auto-suficiente
em alimentos básicos. Tem ocorrido importações e exportações eventuais, em
quantidades relativamente pequenas. Se forem computadas as importações e
exportações de arroz e feijão nos últimos 10 anos, a conta fica próxima de
zero.
Assim, cabe a
pergunta: deve-se estimular a produção de arroz e feijão ou das culturas de
exportação e produtoras de energia? Todas as previsões indicam que o Brasil
deverá continuar a crescer, com melhoria da situação econômica da população.
Isso resultará em menor consumo de arroz, feijão e outras amiláceas, em função
da mudança no hábito alimentar. Então produzir alimentos amiláceos para quem?
Se a tendência de consumo é declinante, maior produção resultaria em menores
preços, inviabilizando a produção, uma vez que as oportunidades de exportação
para esses produtos são limitadas. Por outro lado, o aumento de produção de
produtos energéticos e para exportação gerará renda, empregos e riqueza. A
riqueza gira a economia, melhorando a vida de todo mundo.
Em resumo,
lógico que é necessária, e será ainda por muitos anos, a produção dos alimentos
básicos, mas a história recente tem mostrado que o equilíbrio entre a produção
de alimentos, culturas energéticas, matérias primas e grãos para exportação tem
sido muito bom no Brasil, não justificando mudanças drásticas no sistema.
FONTE: Grupo Cultivar