Quando se fala
em transgênicos, em muitas mentes logo surge a imagem de alimentos totalmente
modificados, como uma maçã enorme e vermelha que não apodrece nunca – e que,
desconfia-se, deve ser tão envenenada quanto a oferecida a Branca de Neve. A
biotecnologia moderna, porém, não só vai muito além das modificações em setores
produtivos como agricultura e pecuária, como também está sujeita a políticas e
controles de segurança muito rígidos. Basta uma visita aos laboratórios da
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), empresa de pesquisa
ligada ao governo federal, para entender o longo caminho percorrido pelos
pesquisadores para levar adiante projetos que vão desde plantas geneticamente
modificadas para a produção de medicamentos até o desenvolvimento de variedades
de alface biofortificadas, com maior teor de ácido fólico.
O receio da
população quanto ao tema, especialmente no que se refere aos possíveis riscos à
saúde e ao meio ambiente, tem diminuído ao longo dos anos à medida que mais
informações científicas são divulgadas, mas a desconfiança ainda é
preponderante. De acordo com uma pesquisa encomendada pelo Conselho de
Informações sobre Biotecnologia (CIB), a partir de um monitoramento no ambiente
on-line (como sites, blogs e redes sociais), as avaliações sobre transgênicos
passaram de 32% positivas e 68% negativas em 2010 para 48% positivas e 52%
negativas em 2012.
O que muitos
brasileiros podem não saber é que existe a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio), instância colegiada multidisciplinar que estabelece
normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da
saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que
envolvem a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização,
consumo, armazenamento, liberação e descarte de organismos geneticamente
modificados (OGM) e derivados. Foi essa comissão que aprovou, em 2011, o feijão
transgênico com resistência ao vírus do mosaico dourado, depois de mais de 10
anos de pesquisa. Primeira variedade geneticamente modificada desenvolvida
exclusivamente por instituições públicas de pesquisa no país, o feijão é
resistente à pior praga do feijoeiro em todo o Brasil, que gera um prejuízo
estimado de 90 a
290 toneladas por ano.
De acordo com
o pesquisador Francisco Aragão, o DNA do feijão foi modificado para que
produzisse fragmentos do RNA responsável pela ativação da defesa contra o vírus
– algo que a planta comum chega a produzir, mas apenas quando o vírus já está
instalado. “Atualmente, os produtores controlam a doença com o uso de
inseticidas que matam a mosca branca, que transmite o mosaico dourado. Costumo
dizer que vírus é como um furo em uma barragem. Se não tampar, ela estoura. É
preciso evitar que o vírus se replique já no comecinho. Se não for assim, o
bloqueio depois é quase impossível”, explica Aragão. Depois de uma fase de
ensaios de cultivo obrigatório, o registro dessa variedade do feijão deve ser
realizado em até dois anos. A intenção é que as sementes sejam disponibilizadas
para produtores rurais livres da cobrança de royalties.
ÁCIDO FÓLICO
Outro destaque
entre os projetos de pesquisa da Embrapa são as variedades de alface com 15
vezes mais ácido fólico, um nutriente importante principalmente na dieta das
gestantes. A falta de ácido fólico durante a gravidez pode causar má-formação
do tubo neural do feto – estrutura que dá origem ao cérebro e à medula
espinhal. Além do impacto na formação do feto, a deficiência de ácido fólico
também pode estar relacionada a doenças no sistema nervoso e à depressão em adultos. De acordo com
Aragão, foi feita uma alteração na rota metabólica das plantas de alface, que
permitem que elas concentrem em 12 gramas cerca de 70% da quantidade diária
recomendada de ingestão de ácido fólico em um adulto – as grávidas devem comer
o dobro disso. “Se fosse a planta normal, seria preciso ingerir dois pés de
alface. As plantas estão prontas e devem passar por ensaio de biossegurança
para que seja encaminhado o pedido de aprovação”, explica o pesquisador, que
acrescenta que, no país, a farinha é fortificada com ácido fólico, mas a
quantidade não é uniformizada no produto.
Também no
Cenargen estão sendo desenvolvidas plantas resistentes à estiagem. O
pesquisador Eduardo Romano explica que o estresse hídrico (seca) é o principal
estresse abiótico no mundo, ou seja, que não está ligado a pragas, fungos,
bactérias ou vírus. “A Organização das Nações Unidas (ONU) estimou que será
necessário aumentar em até 50% a produção de alimentos até 2030. Além disso,
estima-se que 70% da água doce usada no mundo seja destinada à agricultura. É
preciso pensar na redução das perdas e também na sustentabilidade”, aponta
Romano.
Os primeiros
passos foram dados com o projeto Genoma café, iniciado em 2007, em que foram analisados
cerca de 30 mil genes da planta. Entre eles, foram identificados e isolados os
cinco mais presentes em condições de estresse hídrico e que se adaptaram a
essas condições. O gene CAHB12, mais resistente, foi introduzido em exemplares
que, em comparação com as plantas naturais, sobreviveram o dobro do tempo sem
água, uma média de 40 dias. “Estamos aguardando o processo de aprovação pelo
CTNBio e também introduzindo o gene em outras plantas como a soja, algodão,
trigo e arroz. Se tudo correr bem, podemos ter variedades comerciais em cinco
anos.”
FONTE: Estado de Minas