A marca
brasileira da desigualdade atinge inclusive os setores mais promissores da
economia. Na agropecuária — que, em meio à desaceleração do setor produtivo,
vem impulsionando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e,
particularmente, do segmento de bens de capital — o processo de renovação de
máquinas, por outras mais avançadas, está concentrado nas grandes áreas
produtoras, ou seja, em 12 dos 26 estados brasileiros, como demonstra estudo da
Agrosecurity.
A partir das
estatísticas de vendas de tratores e colheitadeiras da Associação Nacional do
Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a consultoria constatou que a
elite agropecuária respondeu por 90,27% dos tratores adquiridos em 2012 e por
98,78% das colheitadeiras. Para as regiões mais carentes, sobretudo no Norte e
Nordeste do país, sobram os equipamentos usados, transferidos de Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, o que vem impulsionando, nos últimos anos, o mercado secundário
de equipamentos e peças de segunda mão.
A modernização
do setor agrícola está na mira do governo, que oferece linhas de crédito em
situações especialíssimas. Mas o benefício atinge apenas 51% dos
estabelecimentos agropecuários — 2,6 milhões de um total de 5,17 milhões,
segundo dados de crédito do Banco Central e o censo de estabelecimentos
agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É
provável, no entanto, que o percentual de beneficiados seja ainda inferior a
esse, porque o cálculo da Agrosecurity é conservador e pressupõe que uma mesma
empresa tenha contratado crédito por uma única vez.
Há, atualmente,
dez linhas de crédito destinadas à agropecuária, com objetivos e focos
diversos, passando por ganhos de produção, inovação tecnológica, melhoria do
armazenamento e até a redução de gases de efeito estufa. As melhores condições
são as relativos aos programas Pronaf Mais Alimentos, com taxa de 1% a 2% ao
ano, e Programa de Sustentação do Investimento (PSI), de 3% a 3,5% e prazos de
pagamento de dez a 15 anos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) é o principal financiador e tem registrado números exponenciais
de crédito. De 2011 para 2012, o desembolso passou de R$ 9,76 bilhões para R$
11,36 bilhões. Até junho deste ano, foram R$ 9,34 bilhões.
“A indústria
agropecuária bateu recorde de produção e aquisição de máquinas nos últimos dois
anos. Mas o volume de crédito está concentrado nas culturas de algodão, no
Oeste da Bahia e em Mato Grosso, e de grãos, no Sul, Centro-Oeste e na nova
fronteira agrícola, conhecida como “Mapitoba” (junção das siglas dos Estados de
Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia). Produtores de regiões em declive e com
pouca escala de produção têm dificuldade de ter acesso ao crédito”, afirma
Felipe Silva, da Agrosecurity. O chefe do Departamento de Agropecuária e de
Inclusão Social do BNDES, Carlos Alberto Vianna, afirma, no entanto, que o
banco não faz distinção regional no acesso ao crédito e que as linhas
oferecidas são acessíveis a toda gama de produtores.
Dados da
Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), de 2013, demonstram, contudo, as
lacunas de produtividade ao longo do território nacional. As regiões mais
carentes — seja pelas intempéries climáticas, como a seca no Nordeste no último
ano, seja pela pequena dimensão da lavoura e do acesso a tecnologias mais
avançadas de produção — permanecem com baixos níveis de rendimento. Na produção
de milho, por exemplo, disseminada nas diferentes regiões, a relação entre o
volume produzido por hectare varia de 5.866 quilos, no Sul, a 437 quilos, no
Nordeste, retrato da desigualdade do setor agrícola. Mas, mesmo as diversidades
regionais acabam movimentando a economia. Na onda da renovação da frota,
cresceu, recentemente, um mercado secundário de máquinas, que beneficia
distribuidores e vendedores de equipamentos e peças usadas e empresas
especializadas no conserto dessas máquinas.
“É uma questão
de poder aquisitivo. A lógica é a mesma do mercado de carros. Com o crescimento
do acesso ao crédito para a compra de novos automóveis, cresce na mesma
proporção o repasse de veículos de segunda mão aos mais pobres”, ilustra o
presidente do Conselho Nacional de Retífica de Motores (Conarem), José Arnaldo
Laguna.
O deslocamento
da frota agrícola para o Norte e Nordeste levou a distribuidora de peças
agrícolas usadas TVH-Dinâmica a buscar novos centros logísticos nas duas
regiões para se aproximar de produtores e encurtar o tempo de transporte. A
distribuição, atualmente, está centrada em São Paulo. “O mercado secundário
está bastante competitivo, o que nos garantiu um crescimento agressivo nos
últimos quatro anos apenas na reposição de peças agrícolas”, disse o gerente
comercial da empresa, Paulo Acosta.
A exemplo dos
veículos de passeio, a renovação da frota agropecuária por produtos mais
modernos acaba retirando de circulação peças de modelos mais antigos, diz ele.
Para antecipar o conserto das máquinas, o produtor opta por comprar peças de
segunda mão, em vez de recorrer aos fabricantes internacionais. Esse tem sido
mais um motivo de expansão do mercado secundário.
Algumas entre as
linhas de crédito disponíveis no mercado são destinadas especialmente à
aquisição de máquinas usadas. É o caso da Moderfrota, destinada a produtores
rurais e cooperativas, com juros de 5,5% ao ano e prazo de pagamento de quatro
anos e cobertura de até 90% do investimento realizado.
FONTE:
Brasil Econômico