Henrique
Kugler
Talvez você
não o conheça. Mas certamente já ingeriu doses homeopáticas desse silencioso
veneno. Estamos falando do metamidofós – um dos pesticidas mais utilizados nas
lavouras brasileiras até muito recentemente. Sua comercialização foi proibida
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2012. Ainda perduram,
no entanto, seus efeitos toxicológicos no ambiente e na saúde humana.
E como saber se
determinada amostra de solo, água ou alimento está contaminada com esse
pesticida? A resposta pode ser dada pelo novo biossensor desenvolvido por
pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e da Universidade
de São Paulo (USP), campus de São Carlos. É uma espécie de ‘detector de
agrotóxico’.
“Trata-se de
um biossensor compacto e de baixo custo”, define a matemática Izabela Gutierrez
de Arruda, que projetou o aparelho durante seu mestrado no Instituto de Física
da UFMT. O princípio é simples: em uma fina película especial, é colocada uma
enzima chamada acetilcolinesterase, que está naturalmente presente no organismo
humano e atua nas ligações entre os neurônios (sinapses). O metamidofós ataca
essa enzima, podendo provocar graves danos à saúde.
Em condições
normais, a acetilcolinesterase emite prótons. Mas, em contato com moléculas de
metamidofós, essa produção é alterada. A leitura dessa alteração pelo aparelho
indica que determinada amostra está contaminada com o pesticida.
“A detecção é
feita em poucos minutos”, diz Gutierrez, explicando que, pelos métodos
tradicionais, o tempo de espera é muito maior. “Hoje geralmente aferimos a
presença de resíduos de pesticida em amostras após enviá-las a laboratórios de
cromatografia e espectroscopia.” A tecnologia traz ainda outra vantagem: ela
pode ser facilmente adaptada para detectar outros agroquímicos além do
metamidofós.
Primeira patente em 40 anos
A ideia ainda
não ultrapassou as fronteiras da academia. Mas o projeto já está devidamente
patenteado – é, aliás, a primeira patente registrada na UFMT, após 40 anos de
existência dessa instituição. “Aguardamos a iniciativa do setor privado, que
deve logo se interessar em produzir o novo biossensor”, comenta um dos
orientadores do projeto, o físico da USP Francisco Eduardo Gontijo Guimarães.
Segundo os cálculos da equipe, cada aparelho deverá custar entre R$100 e R$200.
“O biossensor
pode ser útil à indústria alimentícia”, prevê Izabela Gutierrez. Ela diz que
produtores rurais e agentes de fiscalização também poderão se beneficiar do
aparelho para otimizar práticas de controle ambiental. “O próprio Ministério da
Saúde pode se interessar, dado que o uso de agrotóxicos é, atualmente, um
problema de saúde pública.”
Contaminação
do lençol freático, dos rios e dos solos, danos neurológicos, convulsões,
distúrbios de concentração e memória... A lista de danos associados a esse
agrotóxico é extensa.
Embora o
metamidofós tenha sido proibido, os pesquisadores acreditam que ele ainda pode
estar sendo usado em nossas lavouras. Só para constar: em Mato Grosso , o maior
usuário nacional desse pesticida, o consumo anual era de, em média, seis
milhões de litros por ano.
Os caminhos e
descaminhos de nossas práticas agrícolas estão registrados na reportagem
'Paraíso dos agrotóxicos', publicada em setembro passado na Ciência Hoje. O
impacto dos pesticidas na saúde pública foi abordado na vídeo-reportagem
'Agrotóxicos: dúvidas, evidências e desafios', veiculada no fim de 2012 aqui na
CH On-line. Esse tema também já foi submetido ao exame crítico e minucioso de
nosso colunista, Jean Remy Guimarães, no texto 'Pesticidas, saúde e o custo
social da revolução verde', que deu muito o que falar.
FONTE: Ciência Hoje