As mudanças no padrão
brasileiro de uso do solo nas duas últimas décadas são destaque da
capa da edição de janeiro da revista Nature Climate Change. A boa
notícia apontada pelo artigo é que, nos últimos 10 anos, ocorreu
no país uma dissociação entre expansão agrícola e desmatamento –
o que resultou em queda nas emissões totais de gases de efeito
estufa. O fenômeno, segundo os autores, pode ser atribuído tanto a
políticas públicas dedicadas à conservação da mata como à
“profissionalização” do setor agropecuário, cada vez mais
voltado ao mercado externo. A “comoditização” da produção
rural brasileira, no entanto, trouxe também impactos negativos,
entre os quais se destacam o aumento da concentração de terras e o
consequente êxodo rural.
– As grandes propriedades,
maiores que 1 mil hectares, representam hoje apenas 1% das fazendas
do país. No entanto, ocupam praticamente 50% das terras agrícolas –
ressaltou David Montenegro Lapola, professor do Departamento de
Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro e
autor principal do artigo.
As conclusões são baseadas na
análise de mais de cem estudos publicados nos últimos 20 anos.
Entre os 16 autores, todos brasileiros, estão Jean Pierre Henry
Balbaud Ometto e Carlos Afonso Nobre, ambos pesquisadores do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e integrantes do
Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais
(PFPMCG). Também participaram Carlos Alfredo Joly (Universidade
Estadual de Campinas) e Luiz Antonio Martinelli (Universidade de São
Paulo), do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação,
Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São
Paulo (BIOTA), da FAPESP.
– Os dados mostram, em 1995,
um pico de expansão na agricultura coincidindo com um pico de
desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Isso volta a ocorrer entre os
anos de 2004 e 2005, quando também houve pico de crescimento do
rebanho bovino do Brasil. Após esse período, porém, a expansão
agropecuária se desacoplou do desmatamento, que vem caindo em todos
os biomas brasileiros – disse Lapola.
Se na Amazônia é claro o
impacto de políticas públicas voltadas à preservação da floresta
– como criação de áreas protegidas, intensificação da
fiscalização feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(Ibama) e pela Polícia Federal e corte de crédito para municípios
campeões do desmate –, nos demais biomas brasileiros a queda
parece ser resultante de iniciativas do próprio setor produtivo.
– As culturas que mais
cresceram são as voltadas ao mercado externo, como soja, milho,
cana-de-açúcar e carne. É o que chamamos no artigo de
‘comoditização’ da agropecuária brasileira. De olho no mercado
estrangeiro, o setor passou a se preocupar mais com os passivos
ambientais incorporados em seus produtos. O mercado europeu,
principalmente, é muito exigente em relação a essas questões –
avaliou Lapola.
Também na Amazônia há
exemplos de ações de conservação capitaneadas pelo setor
produtivo, como é o caso da Moratória da Soja, acordo firmado em
2006, por iniciativa da Associação Brasileira das Indústrias de
Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Brasileira dos
Exportadores de Cereais (Anec), para impedir a comercialização e o
financiamento de grãos produzidos em áreas desmatadas.
– Na Amazônia, a soja tem
avançado sobre áreas antes usadas como pastagem. O mesmo pode ser
observado no Estado de São Paulo, no caso das plantações de cana.
A maior parte da expansão canavieira dos últimos anos ocorreu sobre
áreas de pastagem –afirmou Lapola. Tal mudança no padrão de uso
do solo teve um efeito positivo no clima local, apontou o estudo. Em
regiões de Cerrado no norte de São Paulo, por exemplo, foi
registrada uma redução na temperatura de 0,9° C.
– A maior cobertura vegetal
aumenta a evapotranspiração, libera mais água para a atmosfera e
acaba resfriando o clima localmente. Mas a temperatura ainda não
voltou ao que era antes de ocorrer o desmatamento para dar lugar ao
pasto. Nessa época, o aquecimento local foi de 1,6° C – conclui
Lapola.
Êxodo rural
Dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que as áreas dedicadas à
pecuária no Brasil estão diminuindo. No entanto, o número de
cabeças de gado continua crescendo no país, o que significa um
maior número de animais por hectare e maior eficiência na pecuária
(o uso do solo predominante no país).
De acordo com Lapola, o mesmo
pode ser observado no caso de outras culturas voltadas à
alimentação, como arroz e feijão, que tiveram suas áreas de
plantio reduzidas embora a produção total tenha aumentado. Graças
a esse incremento na produtividade, a segurança alimentar brasileira
– por enquanto – parece não ter sido afetada pela
“comoditização” da agricultura.
O artigo revela, no entanto, que
a concentração de terras em grandes propriedades voltadas ao
cultivo de commodities intensificou a migração para as áreas
urbanas. Atualmente, apenas 15% da população brasileira vive na
zona rural.
Em locais onde a produção de
commodities predomina, como é o caso do cinturão da cana no
interior paulista, cerca de 98% da população vive em áreas
urbanas.
– Essa migração causou
mudança desordenada de uso do solo nas cidades. O resultado foi o
aumento no número de favelas e outros tipos de moradias precárias –
afirmou Lapola.
As mudanças no uso do solo
afetaram também o padrão brasileiro de emissão de gases do efeito
estufa. Em 2005, o desmatamento representava cerca de 57% das
emissões totais do país e, em 2010, esse número já havia caído
para 22%. Hoje, o setor agropecuário assumiu a liderança,
contabilizando 37% das emissões nacionais em 2010, advindas
principalmente da digestão de ruminantes, da decomposição de
dejetos animais e da aplicação de fertilizantes.
Novo paradigma
No artigo, os autores defendem o
estabelecimento no Brasil de um sistema inovador de uso do solo
apropriado para regiões tropicais.
– O país pode se tornar a
maior extensão de florestas protegidas e, ao mesmo tempo, ser uma
peça-chave na produção agrícola mundial – defendeu Lapola.
Entre as recomendações para que
esse ideal seja alcançado, os pesquisadores destacam a adoção de
práticas de manejo já há muito tempo recomendadas pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), como o plantio na
palha, além do fortalecimento do Código Florestal (que estabelece
limites de uso da propriedade) e a adoção de medidas complementares
para assegurar que a legislação ambiental seja cumprida.
– Defendemos mecanismos de
pagamento por serviços ambientais, nos moldes do programa de Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), por
meio do qual proprietários rurais recebem incentivos financeiros
pela conservação da biodiversidade e outros recursos naturais –
explicou Lapola.
Os autores também apontam a
necessidade de políticas públicas – entre elas a reforma agrária
– que favoreçam um modelo de agricultura mais eficiente e
sustentável.
– Até mesmo alguns grandes
proprietários não têm, atualmente, segurança sobre a posse da
terra. Por esse motivo, muitas vezes, colocam meia dúzia de cabeças
de gado no terreno apenas para mostrar que está ocupado. Mas, se
pretendemos de fato fechar as fronteiras do desmatamento, precisamos
aumentar a produtividade nas áreas já disponíveis para a
agropecuária – concluiu Lapola.
FONTE: RuralBR/FAPESP