Uma pesquisa
realizada em parceria entre a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF),
o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês) e a
Universidade de Londres conseguiu comprovar que sementes de soja geneticamente
modificadas constituem, até o momento, a biofábrica mais eficiente e uma opção
viável para a produção em larga escala da cianovirina – uma proteína extraída
de algas – muito eficaz no combate à AIDS. O resultado inédito é tema de artigo
da edição de 13 de fevereiro da revista norte-americana Science (número 6223
Vol. 347 página 733, seção Editors choice).
A pesquisa,
que começou a ser desenvolvida em 2005, se baseia na introdução da cianovirina,
uma proteína presente em algas que é capaz de impedir a multiplicação do vírus
HIV no corpo humano, em sementes de soja geneticamente modificadas para
produção em larga escala. O objetivo final é o desenvolvimento de um gel, capaz
de eliminar o vírus, para que as mulheres apliquem na vagina antes do
relacionamento sexual.
Segundo Elíbio
Rech, coordenador dos estudos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e
um dos autores do artigo, foram realizados testes com outras biofábricas, como
plantas de tabaco (N. tabacum e N. benthamiana), bactéria (E. coli) e levedura (S. cerevisiae). Entretanto, a única
biofábrica que mostrou ser uma opção viável para a produção de cianovirina foi
a semente de soja transgênica porque permite que a proteína seja largamente
escalonada até a quantidade adequada. Aliado a esse fato está o benefício do
baixo custo do investimento requerido na produção da matéria prima para
extração da molécula.
Para se ter
uma ideia do potencial da soja como fábrica biológica para produção da
cianovirina, no resumo do artigo publicado na Science, os cientistas afirmam
que "grosso modo, se a soja GM for plantada em uma estufa menor do que um
campo de beisebol (97,54
metros ) é possível fornecer cianovirina suficiente para
proteger uma mulher 365 dias por ano durante 90 anos".
Fábricas biológicas para produção de medicamentos
Rech explica
que os efeitos positivos da cianovirina contra a AIDS já estavam comprovados desde
2008 a
partir de testes realizados com macacos pelo instituto norte-americano. A
capacidade natural dessa proteína, extraída da alga azul-verde (Nostoc ellipsosporum), de se ligar a
açúcares impedindo a multiplicação do vírus já é conhecida pela comunidade
científica mundial há mais de 15 anos. "O que faltava era descobrir uma
forma eficiente e econômica para produzir a proteína em larga escala",
completa.
A utilização
de plantas, animais e microrganismos geneticamente modificados para produção de
medicamentos faz parte de uma plataforma tecnológica com a qual o pesquisador
vem trabalhando desde a década de 1990. "As biofábricas ou fábricas
biológicas são capazes de expressar moléculas de alto valor agregado com custos
baixos e, por isso, são opções viáveis para produção de insumos, como
medicamentos e fibras de interesse da indústria, entre outros", afirma.
Além disso, valorizam ainda mais o agronegócio brasileiro, já que permitem a
agregação de valor a produtos agropecuários, como plantas, animais e microrganismos. Por isso, ele acredita que o cenário no
Brasil daqui a dez anos será totalmente influenciado pela biogenética.
O faturamento
da biotecnologia na indústria farmacêutica mundial cresceu muito nas últimas
décadas e hoje alcança aproximadamente 10 bilhões de dólares por ano. Os produtos biotecnológicos estão em franco
desenvolvimento e hoje representam cerca de 10% dos novos produtos atualmente
no mercado.
A expectativa
da Embrapa ao investir em pesquisas com biofármacos, como explica Rech, é fazer
com que esses medicamentos cheguem ao mercado farmacêutico com menor custo, já
que são produzidos diretamente em plantas, bactérias ou no leite dos
animais. Existem evidências de que a
utilização de biofábricas pode reduzir os custos de produção de proteínas
recombinantes em até 50 vezes.
Ele explica
que as plantas produzem proteínas geneticamente modificadas, idênticas às
originais, com pouco investimento de capital, resultando em produtos seguros
para o consumidor. Além disso,
representam um meio mais barato para a produção de medicamentos em larga
escala, pois como não estão sujeitas à contaminação, evitam gastos com
purificação de organismos que são potenciais causadores de doenças em humanos. Sem falar na facilidade de
estocagem e transporte.
Sementes geneticamente modificadas não serão plantadas no campo
Rech faz
questão de ressaltar que as sementes geneticamente modificadas não serão
plantadas no campo. Elas serão cultivadas em condições controladas de contenção
dentro de casas de vegetação ou estufas. O próximo passo é a produção de
sementes de soja em larga escala para isolar a cianovirina e iniciar a fase de
estudos pós-clínicos. Durante as próximas fases de desenvolvimento, os
cientistas contarão também com a colaboração de cientistas do Conselho de
Pesquisa Científica e Industrial da África do Sul (CSIR – sigla em inglês).
Países com altos índices de infestação por AIDS terão acesso livre à
tecnologia
Além de
inovadora, a pesquisa tem um forte componente humanitário. Países em desenvolvimento
com altos índices de infestação da AIDS, como alguns da África, por exemplo,
terão licença de produção e uso interno, livre do pagamento de royalties.
Aquele continente continua sendo o mais afetado pela doença, com 1,1 milhão de
mortos em 2013, 1,5 milhão de novas infecções e 24,7 milhões de africanos
contaminados. África do Sul e Nigéria encabeçam a lista dos países mais
afetados.
Na América
Latina, com 1,6 milhão de soropositivos em 2014 (60% deles, homens), o país
mais preocupante é o Brasil, onde o índice de novos infectados pelo vírus subiu
11% entre 2005 e 2013, tendência contrária aos números globais, que
apresentaram queda no mesmo período. Na Ásia, os países que apresentam maior
contaminação são Índia e Indonésia, onde as infecções aumentaram 48% desde
2005.
A revista
Science, publicada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS,
sigla em inglês), é uma das mais prestigiadas de sua categoria, com tiragem
semanal de 130 mil exemplares, além das consultas online, o que eleva o número
estimado de leitores a um milhão em todo o mundo.
FONTE: Fernanda
Diniz - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia