Impulsionado
pelo engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli, o setor agrícola
passou a ser um dos mais produtivos do país
Ministro
da Agricultura entre 1974 e 1979, Alysson Paolinelli é um dos
responsáveis pela revolução que colocou a agricultura brasileira
entre as melhores do mundo. O País passou de grande importador, a um
dos maiores exportadores de alimentos. Entusiasta e grande
incentivador da agricultura tropical, o Acadêmico é um dos
responsáveis pela criação da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), pelo aproveitamento do Cerrado na
agricultura e pela virada do Brasil no setor agrícola.
Engenheiro
agrônomo, Alysson Paolinelli vê na pesquisa o ponto crucial para
que o Brasil siga avançado no setor. Nesta entrevista, o Acadêmico
relembra a história da agricultura brasileira, destaca a importância
da tecnologia para o crescimento da agricultura tropical e faz
críticas ao Código Florestal e a política do governo.
O
Sr. é um dos responsáveis pela transformação da região do
Cerrado em uma promissora fronteira agrícola. O que o motivou a
investir na região?
Alysson
Paolinelli (AP) – Ocupando uma determinada posição,
tive que assumir minha parte e ajudar a quem realmente podia: os
cientistas que já haviam estudado alguma coisa. A partir de 1930,
quando começou a concentração urbana, o Brasil tinha um plano
industrial baseado no conhecimento de outros. Tivemos que importar
tecnologia, máquinas, matéria-prima e gente para lidar com isso. A
indústria era obsoleta e para sustentá-la, tivemos que financiá-la
com o fundo café. Nosso custo com royalties, com pagamento de
serviços, máquinas e matéria era grande e a indústria era
deficitária. A indústria propiciou a ocupação das cidades. Na
década de 60, o Brasil tinha mais de 70 milhões de habitantes,
sendo metade da população urbana. Nesse período, o país vivia um
drama muito grande, já que a população rural não conseguia
abastecer a metade urbana. Economicamente, o País dependia de
produtos tropicais (café, cacau, borracha, madeira tropical).
Especialmente o café que garantia uma relativa sobra na balança
comercial e nos permitia importar alimentos. Em 1973 veio a crise do
petróleo. Nessa época nossa produção atendia apenas a 20% do
consumo; o restante era importado. Imagine o problema. Importávamos
80% do que consumíamos e o petróleo passou de U$$ 3 para U$$ 11.
Com isso, o saldo comercial do café não aguentou. Subsidiar a
indústria era uma conta grande. Comprar alimentos no mercado
internacional para abastecer as cidades, especialmente naquele
período de preços altíssimos, e ainda comprar petróleo... O
Brasil estava quebrado. Todo o esforço que tinha sido feito no final
da década de 60 e início dos anos 70 para que o agricultor usasse a
expansão da área e conseguisse produzir, foi inócuo. Ele ocupou
todas as terras roxas de São Paulo, no Paraná, no oeste de Santa
Catarina, no Rio Grande do Sul, depois as terras médias do sul de
Minas, do triângulo de Goiás e não conseguiu produzir de forma
eficiente. A razão era simples: não tínhamos conhecimento de
tecnologia tropical, isso não existia no mundo. Ou criávamos essa
tecnologia ou estávamos falidos. Foi assim que surgiu a Embrapa.
Houve uma concentração de esforços das universidades em parceria
com a iniciativa privada e conseguimos montar um programa de ciência
e tecnologia. Inicialmente, era chamado de Programa Cooperativo e
depois de Ciência Nacional de Pesquisa Agropecuária. O programa foi
capaz de munir o Brasil, em curto prazo, do conhecimento necessário
para ocupação do Cerrado.
O
que mudou a partir da tecnologia?
AP
– Em 1974 o Brasil produzia cerca de 220 mil toneladas de soja,
hoje qualquer município produz isso. O que aconteceu com a soja? A
questão é que o produto que estava aqui era a soja produzida no
Norte da China, melhorada pelos Estados Unidos. Era um grão que
tinha recebido um banho de tecnologia para a região temperada e não
para a nossa. Na região tropical não produzia porque precisava de
16 horas de sol por dia, o que só ocorria no Rio Grande do Sul.
Investimos, pesquisamos, adequamos nossas condições e oito anos
depois, estávamos produzindo soja mais produtiva do que a gerada no
“Corn Belt” americano. A tecnologia nos permitiu melhorar
a qualidade de produtos, aumentar a quantidade da produção,
desmatar menos e preservar nossos recursos naturais. Além disso,
barateou os alimentos.
Qual
o papel da agricultura na economia nacional
AP
- É fundamental. A economia nacional, de um modo geral, é
deficitária. Deficitária na indústria, no comércio e nos
serviços, mas na agricultura somos competitivos. O Cerrado, que
chamo de caixa de segredos, está a cada dia melhorando suas
condições de produção. Abrimos a primeira caixa e encontramos
coisas boas, agora estamos na segunda, com ocorrências melhores. O
Brasil é hoje o líder em agricultura tropical. Estamos fazendo
avanços belíssimos. A agricultura tropical é muito mais
competitiva e sustentável. Aqui, não temos uma janela de 12 dias
para plantar como há nos Estados Unidos e na Europa; temos 12 meses
de aproveitamento. Conseguimos a segunda safra com condições
naturais e vamos para a terceira. Então, é preciso desenvolver isso
porque não há nada no mundo com esse potencial e acredito que vamos
desenvolver rápido essas condições porque há mercado, há
demanda. Mas é preciso investir muito em pesquisa porque ainda não
temos tecnologia acabada. Temos que evoluir.
E
quais os principais desafios da agricultura brasileira hoje?
AP
- A agricultura brasileira precisa ser reconhecida pela sociedade
e não é. A sociedade brasileira se beneficia dela sem saber. Na
década de 70 a família média brasileira gastava de 42% a 48% de
sua renda na alimentação. Em 2000, o percentual caiu para cerca de
12%, 14% graças à tecnologia que possibilitou aumentar a
produtividade, baixar custos e, principalmente, não derrubar áreas.
Mantemos o Cerrado hoje com mais de 50% de cobertura natural. Temos
um potencial fabuloso porque desenvolvemos tecnologia de recuperação
das áreas degradadas. A pecuária, que expandiu bastante no Cerrado,
degradou muito; as pastagens estão 90% deterioradas, mas hoje temos
através de tecnologias adequadas o plantio direto, a integração
lavoura, pecuária e floresta e capacidade para recuperar essa área
desgasta com rapidez e vantagens econômicas, isso não existe no
mundo.
Em
que áreas a pesquisa deve ser prioritária para o desenvolvimento?
AP
- O Brasil tem distintamente seis grandes biomas que ainda não
conhecemos bem. Acabamos de fazer uma besteira ao aprovar uma lei
chamada Código Florestal que coloca em condições iguais, com as
mesmas regras, o trópico úmido da Amazônia e o semiárido do
nordeste, por exemplo. Esse é um gesto de ignorância, de
incompetência em um país que tem uma Embrapa, que foi proibida de
falar sobre isso. O que vejo é que esses biomas precisam ser bem
tratados: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e o
Pampa. Precisamos dar um tratamento especial, colocar a Embrapa, as
universidades e a iniciativa privada, com o produtor rural envolvido,
para desenvolverem formas de manejo que não degradem os recursos
naturais.
Em
sua opinião, as políticas do governo estão equivocadas?
AP
- Sim. As políticas deveriam caminhar nesse sentido de estimular
pesquisas capazes de gerar produtividade e garantir a preservação
dos recursos naturais: o solo, a água, a planta, os animais e o
clima. Temos que fazer um esforço nesse sentido. É isso que defendo
como ponto fulcral. Além disso, temos que melhorar a infraestrutura
- há mais de 20 anos que não investimos em infraestrutura - e,
sobretudo, políticas públicas adequadas e de apoio às instituições
para que possam se organizar no setor produtivo. Hoje, perdemos para
nossos concorrentes por esses descuidos. Não estamos cuidando da
qualidade dos produtos, da certificação, da padronização. Tudo
precisa ser melhorado.
Diante
do cenário atual, como o Sr. vislumbra nossa agricultura no futuro?
AP
- Estamos perdendo espaço. A Embrapa está com dificuldades para
comprar passagens para pesquisadores; instituições estaduais sendo
fechadas; as universidades com potencial humano fabuloso sem poder
aproveitar. Considero isso crime de lesa-pátria. Precisamos mudar
esse cenário. O governo precisa recompor sua atuação no setor
agrícola, não estou falando em subsidiar, mas em dar condições de
igualdade para que o produtor brasileiro possa competir com seus
contendores do mercado. É isso ou vamos perder cada vez mais espaço.
FONTE:
Boletim
da Academia Nacional de Engenharia (ANE)